Blog do Voluntários
O Futuro das Plataformas de Voluntariado
Por: Renato De Giovanni | 16 de Setembro de 2023 às 14:58
Sem dúvida alguma vivemos tempos extraordinários no campo do voluntariado. Além de uma capacidade de mobilização sem precedentes, tanto voluntários quanto organizações dispõem de um grande leque de alternativas para incentivar o trabalho voluntário. Temos empresas especializadas em soluções na área de software para voluntariado, ONGs dedicadas ao voluntariado corporativo, diversas iniciativas governamentais, startups voltadas para o turismo internacional voluntário, sem contar as diversas plataformas que aproximam voluntários de organizações beneficentes.
Neste cenário, por mais que a quantidade de iniciativas passe uma sensação de estar havendo considerável duplicidade de esforços, faz parte do jogo numa sociedade livre e diversa conviver com todas essas opções. Unir forças, construir algo junto, infelizmente não é tão comum assim na vida real ‒ mesmo em segmentos como o voluntariado, onde supostamente deveria prevalecer um sentimento maior de união e solidariedade. Diferentes visões, interesses e habilidades em se relacionar quase sempre produzem o fenômeno de cada um optar por seguir seu próprio caminho. A diversidade que surge disso tem o lado bom de dar mais opções a voluntários e organizações, mas também gera algum grau de concorrência, desperdício de recursos, e deflagra uma espécie de processo de “seleção natural” semelhante ao que se vê no meio ambiente.
O propósito maior deste texto é fazer uma reflexão sobre o nosso papel (Coletivo Voluntários) dentro deste novo cenário, que é bem diferente do cenário em que nos encontrávamos no final do século passado ‒ época em que nos tornamos a primeira plataforma de alcance nacional voltada ao trabalho voluntário. E a partir disso gostaria de também compartilhar algumas visões sobre o futuro.
Mas afinal, qual seria hoje nosso diferencial entre tantas opções? Penso que o principal deles é o fato do Voluntários ser 100% movido a trabalho voluntário. Nada contra ter iniciativas que visem lucro, ou que cobrem algum valor dos usuários para se manter, ou que sejam movidas a trabalho assalariado. Todos nós precisamos de uma fonte de renda para sobreviver. Além disso, dispor de pessoas remuneradas que possam se dedicar integralmente a desenvolver e manter uma solução qualquer na área de voluntariado torna o trabalho bem mais eficiente.
Aqui no Voluntários, não é segredo que o lançamento de novas funcionalidades muitas vezes leva um tempo bem maior do que gostaríamos para acontecer. Por outro lado, nosso custo operacional é mínimo se comparado a outras iniciativas, e temos total liberdade de decidir os rumos da plataforma, sem estarmos presos a interesses de terceiros e sem nos preocuparmos com a venda de serviços para bancar custos operacionais altos.
O fato da grande maioria das iniciativas relacionadas ao voluntariado não ser movida a trabalho voluntário também levanta uma série de questionamentos. Por exemplo: Até onde vai a capacidade de realização com trabalho voluntário? Se por trás de algumas dessas iniciativas existem pessoas que entendem e acreditam no voluntariado, por que não utilizaram esse know-how para desenvolver e manter a plataforma apenas à base de trabalho voluntário? Será que na verdade ainda falta algum conhecimento ou habilidade importantes para conseguir fazer isso? Trabalhoso demais? Utópico demais? Será que por algum motivo o trabalho voluntário aqui no Brasil deveria no momento ficar mais restrito a pequenas ações pontuais? Em outras palavras, será que qualquer iniciativa de maior envergadura teria que necessariamente depender de algum grau de trabalho remunerado?
Estas perguntas não devem ser entendidas como críticas aos caminhos ‒ todos eles válidos ‒ que outras iniciativas decidiram trilhar, e sim como questionamentos acerca do verdadeiro potencial e das limitações do trabalho voluntário em si, bem como acerca do real conhecimento disponível hoje sobre o tema. Talvez o voluntariado no Brasil ainda carregue uma certa dose de preconceito, desconhecimento e também careça de grandes exemplos do que é possível realizar.
Nesse sentido, o Voluntários não deixa de ser um pequeno laboratório de trabalho voluntário, onde estamos constantemente experimentando e descobrindo soluções que com o tempo vão sendo disponibilizadas para os demais voluntários e organizações cadastrados em nossa plataforma. Aqui nós vivenciamos o voluntariado na pele, com todas as suas dificuldades e desafios. E com todo o respeito às demais iniciativas (pelo menos as que tenho conhecimento), por mais interessantes e funcionais que sejam, nenhuma serve de exemplo do que pode ser feito com trabalho voluntário, ao passo que nós, com todas as limitações da nossa plataforma, seremos sempre uma verdadeira vitrine em evolução neste sentido.
O que acontecerá com todas essas iniciativas a médio e longo prazo? Difícil saber. De uma maneira geral, penso que iniciativas governamentais sejam as mais vulneráveis, sempre sujeitas à troca de governos, interesses políticos e eventuais polêmicas. Basta lembrar do recente caso do programa Pátria Voluntária, que nasceu, viveu e morreu no prazo de um mandato.
Numa outra vertente, iniciativas muito individualizadas, sem estratégia de sucessão, parceria ou adaptação, todas tem seu prazo de validade e estarão sujeitas às mudanças na vida de quem as mantém. Interessante observar que o próprio Voluntários nasceu como uma iniciativa individual e assim permaneceu por vários anos, até gradualmente migrar para o modelo que adotamos atualmente.
Outras iniciativas, com ou sem fins lucrativos, que dependam de algum tipo de venda de serviços a usuários finais ou terceiros, podem em algum momento ter dificuldade em sobreviver à medida em que soluções similares sejam disponibilizadas gratuitamente ‒ o que cedo ou tarde acredito que vá acontecer.
A longo prazo, talvez o voluntariado fique melhor em mãos voluntárias, e aqui estamos cuidando de garantir que ao menos uma dessas iniciativas siga por esse caminho. Não será simples. Não será fácil. Teremos uma longa jornada pela frente, mas com a oportunidade de realizar muitos sonhos coletivamente, deixando um legado com capacidade de resistir melhor ao tempo e às mudanças. Se assim for, garanto que valerá a pena! Mas enquanto isso, todos podem experimentar e desfrutar da maneira que acharem melhor de toda a crescente riqueza de opções disponíveis…
** este texto não reflete, necessariamente, a opinião de todo coletivo Voluntários